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SPARTAKUS - ARQUIVO

SPARTAKUS - ARQUIVO

 

 

Para a história do comércio europeu de escravos de África.

De 1441 a 1900

 

 

Comércio de escravos e racismo:

o berço do capitalismo

de

Mário Sousa

Publicado em 1997 em sueco no jornal Proletären, Suécia.

Tradução do autor, 2013

 

 

 

 

O Diabo e a Diaba em Amarante

Quando se pensa que já se viu de tudo, aparece sempre algo novo. A verdade contida nesta frase tronou-se realidade há alguns anos quando eu visitava Amarante, um bonita pequena cidade no norte de Portugal, perto do Porto. O que nos atraiu a Amarante foi a história num folheto turístico sobre um par de estátuas representando dois diabos que estão no museu da cidade, anterior Convento de S. Gonçalo, pegado à igreja do mesmo nome.

O que nos levou a Amarante foi especialmente o fato de um dos diabos ser uma ”diaba”. Uma ”diaba” nunca tinhamos visto. O que tinham os portugueses inventado?

Segundo o folheto turístico, as estátuas são de cerca de 1700. O par de diabos estava então colocado na igreja entre santos e anjos, certamente para mostrar o contraste entre o bem e o mal e desta maneira fortalecer a fé dos crentes. Mas o efeito não foi bem este, pois com o passar dos anos as figuras dos diabos tornaram-se bem queridas aos habitantes da cidade, dando origem a uma grande festa para comemorar os diabos, todos os anos no dia 24 de Agosto.

Nesse dia ninguém trabalhava na cidade e muitas pessoas iam à igreja com ofertas para … os diabos! Os diabos eram enfeitados por populares com faixas e flores e até lhes davam comer e dinheiro. Esta popularidade desagradava ao bispo da região que em 1870 tentou acabar com os diabos e a tradição. O bispo deu ordem para queimar as estátuas, com o pretexto de que o diabo, que tinha um pénis enorme, não ficava bem na igreja entre santos e anjos! Mas aqui começaram as dificuldades do bispo. Entre a população não foi possivel encontrar quem deitasse fogo aos diabos. Os que tinham ordens do bispo para queimar os diabos, serraram o atributo sexual do diabo, fazendo-o mais apresentável, e voltaram a pôr os diabos na igreja.

Mas a padralhada já se tinha dicidido de se desfazer dos diabos e alguns anos mais tarde as estátuas foram vendidas a um colecionador em Inglaterra. Isto foi coisa que os padres não deviam de ter feito. O facto é que dada a opinião contra a venda dos diabos que se formou em Amarante, os padres foram obrigados a comprar novamente as estátuas e trazê-las para a cidade.

Depois de termos lido esta história interessante no folheto turístico tornou-se imperioso ir a Amarante para ver os diabos.

Ver as estátuas dos diabos foi um choque para nós. As estátuas em madeira preta, com cerca de um metro de altura, representam dois negros africanos com chifres e pés de galo como são apresentados os diabos na igreja católica. O fato de que as estátuas representam negros africanos não estava escrito no folheto turístico!

A fisionomia das estátuas merece ser observada. Além das caracteristicas de diabo, os chifres e os pés de galo, os africanos nas estátuas mostram uma grande alegria, com grandes sorrisos nos lábios, em profundo contraste com as estátuas dos santos sempre muito sérios e passando grande sofrimento. Além disso não esqueçamos que o homem africano que representa o diabo tinha tido um pénis enorme.

 

O Diabo e a Diaba de Amarante

                                                                 

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Tudo isto mostra dois dos mítos rasistas que a classe dominante comerciante de escravos espalhou sobre os africanos negros. A alegria mostra o míto dos Áfricanos como acriançados e subdesenvolvidos de nascença, o pénis enorme o míto dos desejos sexuais insaciáveis dos negros, a sua única razão de viver. O diabo e a diaba em Amarante mostram abertamente a igreja católica como um dos propagandistas do racismo.

 

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Mas a história dos diabos mostra também que nem sempre é fácil para a classe dominante levar o povo a acreditar na propaganda racista mesmo quando padres e bispos o querem obrigar. Em Amarante o feitiço virou-se contra o feiticeiro!

   

O racismo ”cientifico”dos professores

Por agora chega sobre a padralhada racista. Vejamos agora o que os cientistas, professores e viajantes diziam da África e dos africanos.

Uma maneira de fazermos uma ideia das concepções que se espalhavam sobre a África durante 1600 e 1700 é observar os mapas então existentes sobre o continente. Na realidade os europeus, até ao meio dos anos 1800, pouco ou nada sabiam do interior de África uma vez que quase nenhum europeu aí tinha estado. Por isso, além das regiões costeiras que eram conhecidas, os mapas de África deviam de ser completamente em branco. Mas não eram! A fantasia dos cientistas foi deixada à solta e os mapas foram preenchidos com rios e montanhas, florestas e savanas, tudo isto cheio de monstros de todos os tamanhos e feitíos, à semelhança do elefante, terrivelmente perigosos e existindo num mundo mau e incivilisado.

Assim se escreviam também livros e folhetos. Um dos primeiros livros publicados sobre África, que teve um papel importante no debate científico de então em que formaram os conceitos dos europeus sobre o continente Áfricano. Foi o livro de Daniel Defoe ”Capitão Singleton” publicado em 1720. O livro, na realidade um romance, descreve a aventura de um grupo de náufragos na sua viagem a pé desde Madagascar, através de todo o continente até à costa ocidental. O grupo de náufragos passou por aventuras terríveis e cada página do livro compete com a anterior nas descrições mais incríveis sobre aventuras com tribos de homens animais. O grupo salvou-se à custa dos arcabuzes, a única lingua ”que esses selvagens indígenas repeitavam”.

Deste tipo de contos e outros semelhantes foram crescendo os grandes mítos da propaganda pela escravatura. Os comerciantes de escravos garantiam que na realidade os europeus faziam um favor aos negros africanos quando os vendiam como escravo e os negros finalmente podiam deixar a barbaridade africana.

O mesmo tema com certas variações apareceu em livros e folhetos que circulavam entre a classe instruída, em escolas e universidade. Num destes folhetos publicado em Liverpool em 1792 escreve-se ”Como os Áfricanos são os mais lascivos de todos os seres humanos, não será de crer que os gritos que soltam quando os arrancamos aos braços das suas mulheres resultam apenas do receio de nunca mais terem oportunidade de satisfazer as suas paixões lá nas terras para onde os embarcam?”

Desta maneira se escondia a verdade às pessoas na Europa sobre os africanos que eram raptados e para sempre enviados para longe das suas famílias.

Passados cem anos, no ano de 1896, a situação não tinha melhorado. Na realidade o tom ”cientifico” na propaganda rasista tinha aumentado. O professor Keane escreveu por exemplo sobre os africanos que ”a sua inerente inferioridade mental, quase ainda mais marcada que as suas caracteristiscas físicas, depende de causas fisiológicas…”

Não esqueçamos que foram este tipo de conceitos que educaram e instruiram muítas gerações de europeus como se fossem verdades provadas. O aceitamento pelos intelectuais europeus das exigencias da classe dominante foi de tal maneira que muitos prestaram-se a contradizer os seus conhecimentos e experiencia pessoal para não contrariar o ambiente racista existente. O consul inglês, Sir Harry Johnston, escreveu em 1910 (!) a seguinte apreciação sobre o reino do Congo:

”Sem dúvida, a actuação dos portugueses …. Provocou alguns movimentos surpreendentes ao longo de toda a costa da África ocidental e na bacia meridional do Congo, movimentos que levaram à criação de alguns reinos organizados que criaram e estimularam o comércio e que, nos seus efeitos gerais sobre as pessoas, foram talvez menos horríveis que a anarquia de selvagens canibais”.

Não existe nem uma grama de verdade nas afirmações de Johnston. O reino do Congo existia muito antes de os portugueses chegarem a África e era uma sociedade estável onde as pessoas tinham um certo nível de bem estar. Os portugueses transformaram o Congo e as outras partes da costa litoral em campos de morte e escravidão, uma miséria humana e humilhação que aí ficou por centenas de anos.

Mas as declarações ”cientificas” de Sir Harry Johnston não se limitaram a esta questão. Ele continua:

”No que respeita à soma de infortúnio humano na África, é provável que o comércio de escravos entre aquele continente e a América pouco lhe tenha acrescentado. Até certo ponto, terá até mitigado o sofrimento do negro na sua própria terra, pois uma vez tal comércio organizado, e já que era lucrativo vender um ser humano, muito homem, mulher ou criança que caso contrário podia ter sido morto por mero capricho, ou pelo gosto de ver correr sangue, ou como ingrediente saboroso de um banquete, passou a ser vendido a um negociante de escravos…”

Assim Sir Johnston fazia propaganda do comércio de escravos como sendo um maneira de os europeus se oporem ao canibalismo, uma maneira dos africanos não serem comidos por outros africanos! Sir Johnston repetia as opiniões dos negreiros de Liverpool, que chegavam a pretender que o comércio podia levar à África ”um surto de felicidade”!

Os livros de Sir Johnston contavam-se entre as obras mais importantes que se discutiam nas escolas e universidades. Que importância não tiveram as afirmações de Johnston e de outros como ele para aumentar e espalhar o racismo e dar-lhe uma certa autoridade? E outra questão opurtuna: quanto é que o Johnston e os outros não meteram ao bolso como pagamento da falsificação da realidade?

Aqui fica mais um exemplo do baixo nível intelectual, desta vez de 1928 (!), dos manuais britânicos clássicos sobre a história de África oriental do esritor R. Coupland:

”Com David Livingstone, abre-se um novo capítulo na história da África. Até aqui pode dizer-se que a África própriamente dita não tivera história…O grosso dos Áfricanos premanecera, durante séculos imemoriais, mergulhado em barbarismo. Pode quase parecer que tal fora uma disposição da Natureza…E assim permaneceram estagnados, sem progredir nem regredir…O coração da África mal batia”.

Veja-se lá isto, a história da África tinha começado com a chegada dos europeus!

Este tipo de opiniões, que no ano de 1929 eram dadas como se fossem verdadeira ”ciência”, só pode ter origem num pensamento racista que destroi totalmente a investigação científica. Negar aos africanos a sua própria história é um dos piores crimes da classe dominante europeia. O objectivo era de uma maneira definitiva fazer dos africanos, seres sem dignidade humana e fazer aceitável e juridicamente legal, o comércio de escravos e o colonialismo de 1900.

A propaganda racista feita pelo capitalismo e pelo imperialismo não acabou com a sociedade moderna em que vivemos hoje. A classe dominante de hoje continua a defender os crimes do capitalismo contra a humanidade e opiniões velhas mais de mil vezes provadas como falsas, aperecem de novo como se fossem argumentos válidos.

Um dos escritores deste século, conhecido pela sua obra extensa (mais de dez livros) sobre os anos ”grandiosos” do imperialismo britânico é James A. Williamson. Williamson escreveu dois livros sobre Sir John Hawkins, o comerciante de escravos dos anos de 1500 que escolheu um homem negro acorrentado como simbolo do seu brasão.

Williamson, que é um grande admirador do negreiro Hawkins, explica a participação de Hawkins no comércio de escravos da seguinte maneira, no seu livro ”Hawkins of Plymouth” publicado em 1949.

”Nimgém via mal nenhum no comércio de escravos. John Hawkins, que queria conservar um nome respeitável, não se envergonhava de comerciar em escravos, senão não tinha escolhido para seu brasão um homem negro, acorrentado. Ele tinha visto as tiranías caprichosas e sanguentas a que os negros eram submetidos em África, ele sabia que alguns negros voluntáriamente se tinham entregado aos escravistas para daí escaparem, e ele sabia também que os negros eram valiosos nas colónias ocidentais e que por isso podiam estar certos de ser tratados pelos seus donos de uma maneira que essas pobres almas certamente achavam bom”.

Que mistura de falsificações históricas! Está hoje provado não existir a mais pequena verdade histórica na descrição que Williamson faz da situação em África no centenário de 1500, mas a classe capitalista continua a espalhar as fantasias de Williamson a novas gerações. O livro que faz do negreiro Hawkins um herói, foi de novo publicado em 1969 e está referido na prestigiosa Enciclopédia Britânica.

Esta Enciclopédia Britânica também é um caso triste de falta de memória. No exemplar desta enciclopédia de 1910 pode-se lêr que o negreiro John Hawins escolheu para seu brasão um homem negro acorrentado (he was granted a coat of arms with a demi-Moor or negro chained, as his crest). Esta informação desapareceu na última edição da Enciclopédia Britânica em 1995. Nos tempos de liberdade em que vivemos, os heróis da burguesia passaram a ser incómodos e há que esconder as façanhas.

 

Como Portugal perdeu o rei

Façamos agora um pequeno parentes para contar como a casa real portuguesa desapareceu de repente em 1580.

A história é simples. No ano de 1557 o trono foi herdado por um príncipe de três anos chamado Sebastião. O menino foi submetido a um educação profundamente religiosa sob a autoridade do seu tio-avô, o cardeal D. Henrique, arcebispo de Lisboa e chefe máximo da tenebrosa Inquisição.

O rei Sebastião fez-se um fanático religioso. Odiava a ideia de se casar e dar herdeiros à coroa portuguesa. Para ele a castidade era o mais importante, o símbolo da pureza. A educação dos jesuitas tinha ensinado ao menino que quando ele crescesse, a sua missão seria iníciar novas cruzadas contra os infíeis na África do Norte e com armas na mão ganhar grandes vitórias para a cristandade.

Aos catorze anos o jovem Sebastião foi coroado rei de Portugal e os sonhos iriam começar a ser realidade. Característico durante o seu governo são o elevado número de atividades religiosas e as preparação de uma cruzada que de uma maneira definitíva iria vencêr os infieis em Marrocos.

No anos de 1578 estava tudo pronto. O rei Sebastião convidou todos os nobres e cavaleiros a tomar parte da nova cruzada. Novas espadas tomaram forma e os barcos foram preparados.

O próprio rei garantía antecipadamente que íam ganhar vitórias fantásticas e que os cruzados trariam para suas casas riquezas sem fim – promessa feita por Deus e pelos jesuítas. Os nobres portugueses embarcaram em peso num luxo enorme, levando as suas amantes e criados, e os talheres mais finos e preparando-se para um passeio pitoresco onde os cristãos portugueses, os escolhidos por Deus, iriam conquistar a terra dos infieis. Para levar as bagagens da nobreza aos barcos foram precisas mais de mil carroças! Os criados, pessoal de cozinha, escravos e prostitutas eram mais de treze mil. Compare este número com o exército de dezessete mil homens!

 

O exercito árabe sob o comando de Mulei Abdelmalek

 

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Mas do outro lado do mar não era um passeio o que esperava. Do outro lado do mar quem tinha o comando era o famoso Mulei Abdelmalek. O exército árabe estava bem preparado e o passeio portugês teve um fim inesperado em El-Ksar-el-Kebir, (Alcácer Quibir), onde o exército portugês foi completamente dizimado. Quase metade, cerca de 7000 homens, foram mortos em poucas horas, só cem conseguiram fugir, sendo os restantes prisioneiros. A destruição e o saque que lhe segiu foi tal que levou vários dias a encontrar o cadáver do rei Sebastião! Alguns prisioneiros conseguiram comprar a sua liberdade e voltar a Portugal. A maioría ficou como escravos em Marrocos.

O fanatismo religioso deu origem a tempos muito difíceis para o povo em Portugal, sendo obrigados a pagar grandes resgates pelos nobres presos e ao mesmo tempo explorados pelos reis de Espanha que conservaram o trono de Portugal até 1640.

 

Abolição da escravatura e ocupação militar de África

Durante os primeiros anos de 1800, a opinião pública e o movimento organisado contra o comércio de escravos e a escravatura começaram a tornar-se fortes e a ter importancia política em vários países da Europa. A opinião que ía crescendo tinha como causa principal o fato de que o verdadeiro tamanho do comércio de escravos e a maneira miserável como era feito começou nessa altura a ser amplamente conhecido nos países europeus. Tudo começou nos fins de 1700 em Inglaterra, o país que dominava o comércio de escravos. Homens e mulheres corajosos e dicididos opunham-se aos negreiros, mostravam a verdadeira face desse comércio e conseguiram fazer da escravatura uma das grandes lutas políticas do tempo.

Em 1807 a Inglaterra proibiu finalmente o comércio de escravos em navios britânicos. À armada britânica foram dadas ordens para abordar os navios dos negreiros britânicos, confiscar os barcos e libertar todos os escravos os quais na generalidade eram levados para Sierra Leone na costa ocidental de África. Pouco tempo depois, a armada britânica passou também a atacar os navios negreiros de todos os outros países. Como resultado, o comércio de escravos transoceânico diminuiu notávelmente durante o século de 1800, embora só viesse a acabar nas primeiras décadas de 1900.

A proibição da escravatura foi uma parte do desenvolvimento da sociedade humana. Por um lado foi muito importante a atividade desenvolvida pelas pessoas que se dedicaram a combater a escravatura e o comércio de escravos. Por outro lado a transformação dos processos de produção na maior parte dos países da Europa exigia um outro sistema social nos países produtores de matérias primas.

Esta grande transformação foi feita em primeiro lugar na Inglaterra, um país agora industrialisado com grande necessidade de matérias primas e grandes mercados para vender os seus productos. O triângulo do comércio, com latifundiários e escravos, deixou de ter importância para as novas indústrias em Inglaterra. Raptar milhões de pessoas, transporta-las pelo Atlântico para depois as vender, já não era negócio interessante para banqueiros e capitalistas. O importante era obter matérias primas para as industrias fabricantes de produtos baratos para vender em todo o mundo. E de onde viriam as matérias primas?

No princípio do século de 1800, a resposta a esta questão de uma importancia fundamental para o desenvolvimento dos países europeus, era em grande parte desconhecida. Agora sabemos que as matérias primas mais importantes existem em África, mas nessa altura este conhecimento era quase inexistente.

A exploração de África começou a ser preparada nos fins de do século de 1700 em especial pela British African Association formada em 1788 com o fim específico de investigar o interior do continente africano, desenvolver o comércio e apoiar a igreja cristã em África. As actividades das missões cristãs começaram também com a formação da British Church Missionary Society em 1804. A acção missionária começou nas costas de África, não havendo quase nenhum sítio desconhecido dos missionários no fim de século de 1800.

Os missionários das igrejas cristãs eram na realidade quem maior conhecimento tinha das pessoas e riquezas no interior de África e das matérias primas intressantes para a Europa. Foi através desses missionários que os capitalistas europeus obtiveram as informações necessárias para alcançar as fontes de matérias primas. Nessa altura, na segunda metade do século XIX, começaram a ser preparados em todas as capitais europeias planos imperialistas para ocupar extensas regiões em África, dando origem a alianças e ameaças de guerra entre as nações europeias. Tudo era possivel por um pedaço de terra de África!

Nos fins do século XIX iniciou-se a ocupação de África em grande escala. Todos os países europeus queriam os melhores bocados para si mesmos causando confrontos graves e aventurando toda a empresa imperialista europeia. Nesta ocasião a invasão do Congo pelo rei da Belgica Leopoldo II, foi determinante para o futúro de África.

Leopoldo II já tinha obtido várias estações de comércio nas margens do rio Congo, mas não se dando por satisfeito com a exploração enviou tropas para ocupar uma região enorme na África Central, o Congo Kinshasa de hoje, como sua propriedade pessoal. A esta região que era 75 vezes maior que o reino da Belgica, foi dado o nome de Estado livre do Congo, um país em que não existiriam fronteiras nem alfândegas para os europeus interessados em aí fazer negócio.

 

Conferencia Berlim 1884-1885.

Os países imperialistas europeus dividem a África.

 

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A ocupação do Estado livre do Congo causou discórdia com outros imperialistas que exigiam direitos iguais e mostrou a necessidade de um pacto que establecesse uma determinada ordem no processo imperialista. O ministro de estado alemão Bismarque tomou então a iniciativa de organizar uma Conferência dos estados europeus em Berlim 1884-1885 onde participaram a Inglaterra, França, Alemanha, Italia, Portugal, Espanha e o rei belga Leopoldo II a título pessoal.

Um dos resultados da Conferncia foi que o rei Leopoldo II conservou o Estado livre do Congo como sua propriedade pessoal. A confereência decidiu também a divisão da África pelos países representados, o que foi feito com uma régua em cima do mapa unindo pontos determinados simplesmente por longitude e latitude sem a mínima consideração, dos diferentes povos, nacionalidades, culturas ou condições geográficas. Em muitas fronteiras entre os estados Áfricanos ainda hoje se vê a ”política da régua” da Conferência de Berlim. Uma outra desisão da Conferência foi que nenhum país europeu podia ocupar novas regiões sem primeiro informar os outros e obter a sua aprovação.

 

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O rei Leopoldo II da Belgica fez do Congo a sua propriedade pessoal e iniciou uma exploração sem limites na qual milhões de pessoas perderam a vida

 

Assim começou a ocupação massiva de África feita por exércitos bem equipados e armados com armas modernas, vindos de todos os lados, entrando em todos os países e destruindo e eliminando sem piedade qualquer tipo de oposição. Depois de 400 anos de comércio de escravos a estrutura das sociedades africanas estava muito fraca em quase todos os lados e os africanos não tinham quase nenhumas possibilidades de defender os seus países. O comércio de escravos não tinha implicado sómente o desaparecimento de pessoas jovens, as esperanças do desenvolvimento e do futúro. O comércio de escravos produziu também uma estagnação no desenvolvimento da produção em África. A causa desta estagnação foi a monopolização do comércio africano pelos europeus e a consequente diminuição do comércio com produtos africanos uma vez que pessoas feitas escravas era só o que os europeus aceitavam nas trocas comerciais.

Depois da ocupação de África, a classe dominante europeia submeteu os povos africanos a uma exploração e opressão sem precedentes, por vezes pior que o comércio de escravos. Todos os colonialistas dos países europeus tomaram parte nesta barbaridade sem terem grandes problemas. E quando dizemos todos os colonialistas significa todos! Desde as velhinhas belgas com muito boa educação, dos ingenheiros inglêses com qualificações universitárias, dos tenentes franceses bem perfumados, dos investigadores alemães de línguas, dos camponeses senhoriais portuguêses, até aos soldados, polícias, padres e missionários de todos os países da Europa.

 

Congo Belga – 10 milhões assassinados!

Para dar ao leitor uma visão concreta do que foi a colonização da África, vou deixar aqui o testemunho do missionário sueco E. V. Sjöblom sobre a sua estadia no Estado livre do Congo. A citação é longa mas necessária. Veja o leitor também qual foi a reação de Sjöblom aos acontecimentos que presenciou, relacionados com a recolha obrigatória do caucho, o látex da borracha.

”Continuando o meu caminho fui saudando os indigenas amigávelmente. Como habitualmente consegui afastar o medo e, pelo menos em parte, ganhar a sua afecção. Alguns jovens seguiram-me e quando chegámos ao acampamento já lá estávam um grande grupo de pessoas. Outros indígenas iam voltando do trabalho de ir buscar cauchu à floresta. Pouco tempo passado estavam já várias centenas de pessoas reunidas à minha frente.

De repente um dos soldados – também indígena mas de outra aldeia – agarrou um homem de idade e amarrou-o. O soldado virou-se para mim e disse:

-        Eu vou matar este homem porque ele não trousse nenhum cauchu.

Eu respondi: Na realidade eu não tenho nada a vêr com isso e não tenho direito de te impedir. Mas eu desejaria que tu não o fizesses na minha presença, quando estão tantas pessoas aqui para ouvir a palavra de Deus.

Ele respondeu: Se nós não matamos os que vêm sem cauchu, os oficiais do estado livre matam-nos a nós. É melhor matarmos outros do que sermos mortos.

Assim que ele disse isto, dirigiu-se ao homem velho como um tigre atiçado. Arrastou-o alguns passos para fora do grupo, apontou a espingarda à cabeça do homem e matou-o. De seguida pôs outra bala na espingarda e apontou ao grupo de pessoas que desapareceu rápidamente. Estava com medo de ser atacado e queria meter medo aos que estavam reunidos.

Durante alguns minutos estivemos todos calados. O grupo tinha fugido e eu e os meus homens estávmos calados. Em seguida o soldado mandou um menino de nove anos cortar a mão direita do morto. Esta mão com muitas outras mãos, que tinham sido decepadas pelo mesmo motivo, tinham que ser entregues ao comissário como um sinal da vitória da civilização”.

 

A razão desta coleção de mãos decepadas é que por cada cartucho utilizado pelos soldados tinha que ser entregue uma mão direita decepada aos oficiais do exército do Estado livre do Congo. Nenhuma bala podia desaparecer, todas tinham que ter um equivalente em mãos decepadas. Às vezes acontecia que os soldados se utilizavam das espingardas na caça e para darem conta das balas aos oficiais, agarravam uma pessoa viva i cortavam-lhe a mão direita. Dezenas de milhares de cartuchos sem balas eram entregues regularmente aos oficiais do estado livre com o mesmo número de mãos direitas decepadas de pessoas mortas ou vivas.

 

Cada cartucho utilizado, uma mão a entregar

Escravatura total das pessoas no Congo

 

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Mas o número de mortos era maior do que as mãos entregues. As crianças eram muitas vezes assassinadas pelos soldados a golpe de pancada com as espingardas. No ano de 1919 uma comissão oficial belga chegou à conclusão que a população do Estado livre do Congo-Congo Belga, tinha diminuido para metade depois da ocupação europeia em 1884. Uma diminuição para metade em 35 anos! Trata-se de pelo menos 10 milhões de pessoas mortas!

Os soldados inculpados neste morticíno estavam incluídos numa força especial de legionários negros comandada por corpo de oficiais branco sob as ordens do general-major Emile Janssen. Janssen deu ordem aos chefes das aldeias de lhe mandarem ”os piores elementos”, os quais foram incorporados com uma ”disciplina absoluta” durante um periodo de sete anos, uma lavagem ao cérebro com o nome de ”Boula Matari”, ou seja o nosso rei ”soverano na Belgica e no Congo, dois reinos unidos para sempre”.

Segundo o próprio general-major Janssen esses homens eram treinados para terem uma lealdade absoluta para com o rei e o país colonizador. Segundo ele tinham ”todos os meios desponiveis sido utilizados: escolas, jornais, radio, apoio social, control da polícia politica G2, oficiais de inteligencia e informação” nesta lavagem cerebral.

 

O rei Leopoldo II da Belgica ficou rico com a mais desumana exploração

dos seres humanos em África.

 

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Durante a segunda guerra mundial aumentou a repressão e a exploração colonial do povo do Congo que foi obrigado a pagar as dividas de guerra da Belgica. Citamos agora o senhor Goddin, Secretário colonial do governo belga em exilio em Londres durante a segunda guerra mundial. ”Durante a guerra, o Congo pagou todos os custos do governo belga em Londres, incluindo os do serviço diplomático e os custos das nossas forças armadas na Europa e em África, num total de 40 milhões de libras inglêsas. Com os recursos do Congo o governo belga em exilio em Londres nunca precisou de pedir um shilling ou um dolar emprestado e as reservas de ouro belgas foram totalmente  conservadas”.

Os acontecimentos no Estado livre do Congo não são episódios locais, foram repetidos em todas as ocupações coloniais independetemente de qual o país europeu que tinha o poder. O conceito dos colonialistas sobre os povos colonizados exprime-se nas palavras do general alemão von Trotha sobre a repressão aos povos Herero e Nama na África do Sul, que von Trotha comandou às ordens do milionário alemão Lüderitz.

von Trotha escreveu o seguinte sobre a exterminação dos Herero e Nama:

”Eu conheço bem estas tribos Áfricanas. São todas iguais. Só respeitam a força. Mostrar essa força com um terror brutal ou até mesmo cruel foi e é o meu dever. Eu extermino as tribos revoltadas com correntes de sangue e dinheiro. Só assim poderá crescer algo novo, algo que ficará para o futúro”.

 

Depois de quinhentos anos!

”Os brancos só nos deram guerra e miséria”

No ano de 1441 chegaram os primeiros europeus em barco, ao continente Áfricano a sul do deserto do Sahara. Depois desta data o continente Áfricano sofreu modificações profundas que o seus povos não poderam decidir ou dominar. O povo Pendel, que é original da costa de Angola e que foi obrigado no século XVI a fugir dos portuguêses para o interior, para perto do rio Kasai, conserva nas suas tradições a memória da conquista portuguesa. ”Desde esses dias até aos dias de hoje os brancos só nos trousseram guerra e miséria”. Sem dúvida um juizo simples e justo da exploração europeia de África.

Mas hoje os tempos modaram-se radicalmente. Depois de quinhentos anos de exploração e repressão é chegado o momento de os africanos travarem a luta final para tomarem o poder do seu continente!

O capitalismo mundial não quer perder o control de África e tudo fará para impedir o desenvolvimento das sociedades em África. Mas os ventos de mudança são fortes e não é possivel travar a luta de libertação de África contra o colonialismo e o neocolonialismo!

 

Herois da libertação da África

 

 

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  Amilcar Cabral                                                

 

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 Samora Machel

 

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 Agostinho Neto

mario.sousa@telia.com    

Mário Sousa/1997

 

Bibliografia

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Mãe Negra, 1978. (Black Mother, 1961)

África in History, 1968

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Can África Survive? 1974

 

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The Portuguese Seaborne Empire 1415-1825, 1969

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How Europe Underdeveloped África, 1972

 

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Escravatura. Conceitos. A Empresa de Saque, 1978

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Moçambique pelo seu Povo, 1974

 

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Pierre Mulele ou la second vie de Patrice Lumumba, 1985

 

Zurara

Crónica da Guiné, 1453

 

Younès Nekrouf, A Batalha dos Três Reis, 1984